sinto saudade, mãe, daquela menina.
daquela menina, mãe,
que falava com os animais, as árvores e as flores.
daquela menina sentada no peitoril da janela à noite
a falar com as estrelas e a lua
sinto saudade, mãe,
daquela menina que ao amanhecer fugia
para o baldio e ali abria as mãos ao céu a falar com Deus
como se o mundo se reduzisse àquele lugar
e a distância entre a terra e o céu
fosse somente a luz da inocência.
sentada no chão da terra, suspendia a respiração
para escutar os sons da Natureza
que eram para si a resposta de Deus.
depois dançava e ria, corria para casa com fulgor no rosto
carregada de energia.
sinto saudade, mãe,
daquela menina a chorar com medo de adormecer
temia os sonhos voltarem acontecer
com imagens de arrepiar.
sinto saudade, mãe,
daquela menina rebelde e doce
ajoelhada a teus pés pedindo perdão
sentindo-se culpada de ter nascido
quando te via irritada e preocupada
pelas dificuldades que a vida te impôs.
sinto saudade, mãe, daquela menina.
lembras-te dela, mãe?
ela não morreu.
sofre em silêncio por ter perdido a inocência
no coração da mulher que sou eu.
"in" livro Pleno Verbo